Todo final de ano é a mesma coisa. É sair pra
comprar presentes de última hora e enfrentar filas desumanas nos shoppings. É
arrumar briga nos estacionamentos por causa de uma vaga. É reunir a família pra
comemorar uma data que ninguém sabe direito o que é. É quase querer desistir da
vida com a programação de fim de ano da TV.
E reunir a família é sempre a mesma coisa. Parentes
distantes que deveriam continuar distantes. Aquela gente que parece que se
reúne só pra reclamar da vida, fazendo um verdadeiro campeonato de desgraças,
cada um querendo fazer o papel de vítima protagonista. Tudo isso, fora aqueles
presentes que só vão ocupar espaço em nossas vidas, pois, no que depender da
gente, nunca serão utilizados.
O natal tem seus personagens típicos e eu não estou
falando do Papai Noel, do Jesus Cristo ou do Roberto Carlos. Em todas as
famílias existe uma tia que sempre dá aqueles presentes de deixar qualquer um
com vergonha. Ela esquece que às vezes a gente só quer um presente normal, que
não precisa ser nada criativo. Também me refiro ao pai, que sempre ganha meias
ou cuecas, como se essas fossem as únicas necessidades de um homem. Me refiro ao
tio que enche a cara e começa a falar “verdades”. Esse é “o cara”. Confesso que
esse é o meu personagem preferido, contanto que ele não se lembre da minha
existência. O tio faz o papel que nunca tivemos coragem de assumir, traduzindo
os nossos pensamentos inescrupulosos em palavras que sóbrios jamais
conseguiríamos pronunciar. E o melhor de tudo é que já vem com a desculpa
pronta do “bebi demais”. Ele usa o álcool como facilitador social e não sofre
sansão alguma. Eu quase conseguiria sentir inveja, se a situação não fosse tão
medíocre. Até acho que todo mundo passa a “mão por cima” desse tio porque, no
fundo no fundo, o seu desabafo é o mesmo desabafo de qualquer outro presente na
festa de natal.
Todo natal é aquela champanhe meia-boca (pra não
falar da sidra), aquele calor senegalês cada vez pior (maldito aquecimento
global), aquele amigo secreto que nunca conseguiu ser realmente secreto (gente
que não consegue guardar a língua dentro da boca). Todo natal são desenterradas
aquelas musiquinhas-que-nunca-deveriam-ter-sido-gravadas e que grudam na cabeça
da pobre criatura, sem contar o parente que sempre ressuscita o cd da Simone.
Todo natal as mães se reúnem pra exibir e comparar seus filhos aos das outras
e, de quebra, falar mal de mães alheias. As mesmas pessoas que dizem que não
deveriam comer demais são as que dão panetones de presente.
Acho que é isso: o natal é a festa da “boca pra
fora”, a celebração máxima da hipocrisia, que fecha o ano-que-podia-ter-sido-e-não-foi
com chave de ouro. É quando começam a surgir todas aquelas
promessas-que-vão-mudar-a-sua-vida para o ano novo, mas que não vão passar da
ressaca do réveillon.
Neste Natal, quero registrar todo o meu
reconhecimento ao tio bêbado, que todo o ano dá um toque mais sincero ao meu
final de ano. Fica aqui o meu sincero agradecimento.
#porumnatalsemhipocrisia