Páginas

domingo, 26 de setembro de 2010

Fugindo



Tô querendo fugir de tudo. Tô precisando sumir. Nem que seja por pouco tempo. Algo do tipo pegar uma estrada vazia e ir pra um lugar tranqüilo. Tô precisando de clichês. Quero ir para uma daquelas cidades fantasmas, quase desertas, só com habitantes estranhos e desconfiados, mas que nem ligam para a minha presença temporária. Quero ir pra um lugar onde ninguém me faça perguntas, nem eu tenha que abrir a boca pra falar com alguém.

Quero passar uns quatro dias num motel velho de beira de estrada, com aquelas paredes finas que parecem ter sido feitas de papelão, com aquele letreiro luminoso falho escrito “há vagas”, com um quadro floral torto na parede, com um abajur imundo que não acende, com um cinzeiro que não é limpo há anos, com uma tevê que pega só dois canais mal sintonizados, com um frigobar com bebida ordinária.

Quero beber essa bebida ordinária até cair na cama e dormir um sono pesado por muitas horas. Quero acordar com a luz que entra por entre as persianas que não fecham, quero levantar sem dar bom dia pra ninguém e ir pegar uma coca-cola na máquina que fica do lado de fora do quarto pra fazer as vezes de meu café da manhã.

Quero voltar pro quarto e ficar em silêncio sentada numa cadeira duvidosa olhando pela janela a inércia do movimento da estrada. Quero passar horas assim, só espiando a vida alheia, imaginando vidas diferentes da minha. Quero pegar um caderno pequeno de espiral e uma caneta bic azul e passar horas escrevendo o que me vem na cabeça. A caneta vai falhar em diversos momentos, como quem me censurasse as idéias, mas não vai ser mais teimosa do que eu.

No fim do dia, estarei eu do mesmo jeito que acordei, ainda sentada em frente à janela escrevendo, mas agora com diversas folhas arrancadas e amassadas ao meu redor. A noite vai chegar, eu vou calçar um pesado par de botas e sair para comprar cigarro. Passarei a noite escrevendo, esvaziando garrafas e enchendo o cinzeiro. Vou dormir por cima da mesa, embalada pelos ruídos dos poucos carros que passam na estrada e sendo iluminada pela luz da rua.

No outro dia, acordarei com o latido dos cachorros e com uma batida na porta. Alguém que veio perguntar por mim, se estava bem, se não iria comer nada. Nesse momento vou me dar por conta que já estava há quase três dias sem comida no estômago e que vou ter que tomar uma atitude.

Resolvo tomar um banho, coloco um óculos escuros grande para esconder o rosto, e saio para fazer o que tinha que fazer. Passo mais uns três dias “vivendo” nesse ritmo.

Até que finalmente levanto com dor de cabeça, tomo um banho frio, coloco um vestido vulgar e ligo o celular. Pego o mesmo par de botas, paro do lado de fora do quarto, calço lentamente cada pé, tento acender outro cigarro e o isqueiro não ajuda. Decido ir embora daquele lugar e voltar pra minha vida de antes.

Nenhum comentário:

Postar um comentário