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sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Eis a questão



Hoje vou postar sem postar.

Escrevo muita coisa que não deveria escrever, das quais sempre acabo me arrependendo. É que escrevo muita coisa que não posso postar. Escrevo muita coisa que não posso postar e quero muito postar. Então resolvi postar, mas sem postar. Por isso selecionei algumas partes de um texto que não posso divulgar na íntegra para postar aqui.

Não vou citar o título. O que estiver entre aspas é uma cópia literal do original. As reticências entre colchetes são para expressar os trechos editados. É um texto sobre um casal apaixonado. O primeiro parágrafo começa assim: “Ele e ela. Primeira vez juntos. [...] Tinham ido passar o final de semana juntos na Serra. Clima frio, tempinho bom, aquela excitação inicial de qualquer início de relacionamento. Ele só tinha olhos pra ela, e vice-versa.”

A seguir, podemos ler: “[...] foram passear pelas ruas da cidade, exibindo-se como só um casal recém formado sabe fazer. Esbanjavam felicidade e exalavam cumplicidade. Era bonito ver os dois compartilhando aqueles momentos a sós. [...] Andavam de mãos dadas como se fossem os últimos seres do planeta, como se não houvesse mais ninguém.”

Alguns acontecimentos. Novos rumos. Três parágrafos editados. “Assim que amanhece, ele a acorda com muito carinho, fazendo-a despertar lentamente, com [...]”. A ponta solta foi para ti, leitor, soltar a imaginação. “Ela, antes mesmo de abrir os olhos, já esboça um pequeno sorriso nos lábios.

Mais um parágrafo retirado e prossegue assim: “Quando eles foram em direção à Serra, quem dirigiu foi ela. Agora, ela não estava a fim de pegar no volante, mas também não queria pedir para que ele o fizesse. Porém, a sintonia dos dois era tanta, que ele leu seus pensamentos e se ofereceu para dirigir. [...] Mais do que isso, ele parecia ter toda a paciência do mundo com ela.” Mais algumas frases piegas. 

“Seguiram por algumas horas na estrada, até que ela começou a sentir frio.” Mais algumas frases cafonas e temos: “Já em solo xxxxxxx, o casal passeou de mãos dadas [...], fazendo inúmeras compras. Ele comprou um bom vinho [...] para presentear seu pai. [...] Um vinho também pra celebrar a noite e brindar àquele momento especial.”

Acho melhor situar um pouco. Segue um parágrafo sobre os dois: “Ele tinha acabado de sair de um relacionamento longo, com uma mulher que não sabia respeitar suas convicções; ela já estava cansada de se envolver superficialmente e do ritmo acelerado dos encontros e desencontros que a vida lhe proporcionava. Quando os dois se encontraram, ambos viram a salvação um no outro. [...]” Se está parecendo horrível, imaginem o original. “Acreditaram que podiam deixar suas vidas para trás e seguir adiante, excluindo qualquer possibilidade de dar errado daqui para frente.”

Ta, chega! Vou encaminhar para o desfecho. “Ao anoitecer, o casal foi jantar em um aconchegante restaurante da cidade. Ela estava linda; tinha caprichado no visual [...] Os olhos dele brilhavam, revelando toda a sua aprovação.”

“Durante o jantar, ele era ‘só elogios’ para ela. Naquele momento, enquanto ela ouvia-o falar, pensou que realmente as coisas poderiam dar certo às vezes.” Quase um conto de fadas, eu sei.

E ainda não acabou. “Eles passaram boa parte do tempo conversando muito próximos um do outro. Exalavam intimidade. Trocavam olhares apaixonados. Beijavam-se como se ninguém estivesse olhando. [...] O melhor beijo do mundo. [...] Uma certeza quase incomum.” E acho melhor terminar por aqui.

Quem dera pudéssemos editar a vida como editamos um texto. Coisa boa poder “tirar” a parte que não achamos conveniente. Muito interessante poder substituir um momento por uma reticência. Felicidade geral poder apagar o que não gostamos com apenas uma tecla. Pena a vida não permitir rascunhos.

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